sexta-feira, agosto 20, 2004

Aperto

A cidade cresce
O betão que não para
O asfalto que me leva
Em direcção ao nada.

Sinto o cheiro de borracha queimada
E ouço este povo brejeiro.

Como por entre leões e anjos de espada.
Sinto vir em mim a canção do táxi
A canção das milhas que passam por estrada.
Sinto o ardor deste grito de dor
Que em meu povo ouço.

Procuro uma pedra.
De assento em que sou
Por um momento
Que passou

Vejo passar pela janela esta cidade que me agarra.
Ouço o saxofone tocar na noite de chuva.
E o homem que grita acordado.

Os sorrisos que se espalham na minha mente tolhida de cerveja...

O gorgolejar dos sinos da velha torre
Que chama por mim.
As obras que me acordam.
O banco de jardim que está molhado.

Esvoaça de encontro o jornal.
Paro na passadeira e buzina o carro.
Pessoas correm.

Olho bem o sinal de néon.
Reclama em som de ronco.
Lá dentro trabalha um anjo entristecido.
Por entre as roupas.

Entro no café.
Olá.
Vejo outra cara conhecida.
Fumo o cigarro que me foi prometido por mim mesmo.
Um dia será o fim.
Por agora deixo-o vir.
Sorrio. Dou-lhe o meu número.
Prometo atender. Ou até mesmo telefonar.
Podemos ir tomar um copo.

De copo na mão ouço o ruído.
Corpos que se encontram.
E aquela rapariga tão gira.
Peço um mais só para olhar em seus olhos.
Saio e respiro fundo.

As estrelas cairam um pouco.
Vou até á praia onde adormeço consumido pelo frio.
Acordo já o sol vai alto.

Ressacado percorro as ruas.
Sinto ainda o cheiro a mar.
Paro para uma sande.

Vejo os carros passarem lá fora
As pessoas a correr,
O sol a passar despercebido
E sinto a cidade crescer em mim.

sexta-feira, agosto 06, 2004

Quase esquecia

Mais um. Caem como tordos e, meus amigos, é triste, muito triste.



Henri Cartier-Bresson 1908-2004

Gigante da fotografia, simplicista, génio, deixa-nos a obra fotográfica, deixa-nos a Magnum, lições de humanidade e uma dorzinha no espírito.


E ainda mais triste:
« [Our enemies] never stop thinking about new ways to harm our country and our people, and neither do we. »

Se caisse uma bomba por cada "bushismo"...
Péra aí!...

Hoje é dia de...

LITERATURA DE BORDEL
(porque me apetece)

Hoje é dia temático. Olhei a prateleira. Vi aquele livro fininho com vontade de dizer adeus ao pó e pensei: "Já que não escrevo, trancrevo."
Um livrinho pequeno, mas de grande tema. É seu título "Putas à moda do Porto" e seu autor Raul Simões Pinto. A não perder. Só um pouco a abrir o apetite. Ou não...

«Aos fins de semana, os clientes chegavam a formar uma fila de espera que contornava as escadas até à rua. Qual Caixa de Previdência, Dona Carmen ia chamando um a um "os doentes de tesão" e marcava no seu livro negro, com a ajuda da velha camareira, que a acompanhava nos trabalhos de limpeza e no chegar das toalhas, o número do cavalheiro e a hora da consulta... Uma noite subi aquelas escadas, cheio de tintol, depois de um bruto jantar no Ginjal; e dei comigo, de encontro à Carmen - aflito, ela recolheu-me nos seus braços, deu-me dois beijos na cabeça e disse-me: "anda míudo, hoje és o 37...". Bom, naquela noite, andei de lado para lado, levei com umas mamas no focinho e no seu minúsculo quarto, apercebi-me que o seu cu parecia um forno crematório, e que a sua cona, mais parecia um microondas de terceira geração, tanto era o calor e os vapores de álcool que inundavam aquele cubículo. Passados dias, andava eu todo fodido com um grande esquentamento na "pichota", ferrava-me todo para mijar e suava as estopinhas com as dores. Nesse tempo, andava eu na tropa e levei no cu com quatro injecções de hidromicina, além de lavar o "stick" com purgamanato de sódio, só desta forma radical, me safei daquela maldita infecção.»

segunda-feira, agosto 02, 2004

305

Nesse quarto de hotel a promessa de um futuro. Poderemos encontrar conforto no fim do mundo? Existirão palavras que possam ocupar este lugar vazio da cama? Existe um rumo ainda na cabeça de quem quer. Existe ainda a esperança lavada de um coração intrépido. Existe um cheiro que paira no ar.
De um cigarro apontamos à fronteira da ilusão. Na noite que veio e agora se levantou, compreendemos que nada será igual. Vemos os fantasmas seguir agora caminho para bem longe. Outros tomarão seu lugar. É agora tempo de despedidas, porque ficar é sofrer. O sangue corre espesso pelas veias salientes. É hora de dormir para que possamos acordar. É hora.
A porta fecha e tudo fica escuro. O caminho já não é a direito. 305, digo eu. 305. Não mais tenho mão. Caiu. Fica ali quieta no chão e eu não a apanharei. Um dia encontrá-la-ei de novo e direi "olá" e nada será como dantes.
E agora?