terça-feira, julho 27, 2004

Férias

Vou de férias. Mal posso esperar. Procuro pelas linhas tortas com que nunca escreve certo o Deus da net os locais paradisíacos com que só me é possível sonhar. Vejo claramente as árvores baloiçarem calmamente ao sabor do vento, vejo a àgua sintilar e o seu barulho ecoa nos meus ouvidos como um doce segredo. Ao longe, no horizonte de um mar calmo o sol desce calmamente pintando o céu de tons avermelhados. Uma pequena brisa embala um qualquer inocente caminhante. A calma é o tom dominante. O futuro parece brilhante e os problemas pequenos e faceis de apertar entre os dedos até desaparecerem por completo.
Animado, saio de casa. Vou em direcção à praia. Entro no autocarro. Tenho sorte e arranjo um lugar em pé. Estou no meio do corredor e não existe oxigénio. Apenas o cheiro de um sovaco colado à minha orelha. Os putos gritam, berram, como desalmados, passam pelo meio das pessoas. Olho para baixo e vejo um passar enquanto com o braço esmaga os meus preciosos. No fundo do autocarro dá-se um arrufo entre dois jovens machos. Bofetada, estalada, pontapé, gritos, risos. O autocarro para. As portas abrem-se e penso: "Ah, uma ligeira brisa". Rápido percebo que era uma flatulância. Compreendo a táctica para ganhar um pouco de espaço. Sinto nas costas algo suave que roça contra mim. Olho, disfarçadamente. Compreendo que é o peito nu e peludo de um homem. Movo um pouco mais. Uma cotovelada mais. Um espirro. Um roçar de uma pá de praia pelas pernas, uma calcadela. Movo-me dez centímetros. E os putos gritam ainda. O sovaco é agora mais perfumado. Respiro fundo e compreendo o erro. Fecho os olhos e recordo aquelas imagens. Não tarda tudo passará. Chegarei à praia. Estender-me-ei um pouco ao sol e tudo será melhor.
Chega o fim da viagem. Dorido, desço atropelado por um senhora de dimensões rinocerontescas, por uns míudos de cara de fuínha, por dois manfias, por um pintas, e por um não sei bem o quê que me pareceu melhor deixar passar à frente. Chego à praia, por fim. Apinhada de gente não vislumbro lugar onde possa relaxar. Os míudos a correr, a gritar são em número assustador. As velhas vermelhas e os estrangeiros lagostas a sorrirem para mim. O engatatão, as miúdas feias, a peixeira a gritar, a areia pelo ar. E o mar está sujo como a porra. E eu penso em nadar por ele a dentro até chegar ao outro lado. É que não quero nada apanhar o autocarro de volta.
-Táxi!


Algo vai mal no reino de Portugal

Desculpem, mas não é possível. Eu tento, tento mesmo muito, mas não consigo estar bem. Ando inquieto, desconfiado. Não me sinto bem. Sinto um aperto enorme no peito. Sinto a catástrofe a aproximar-se. Os pássaros parecem já não cantar e este calor... Há algo de muito suspeito a pairar no ar. Sente-se mesmo um amargo de boca e não, não é do Tantum. Está tudo demasiado silencioso. Os próprios carros passam sorrateiros. Há algo de estranho, muito estranho a cobrir a nação.
Porque raio é que o Santana é primeiro-ministro? Ok, o rapaz até certo ponto pode ser considerado um amigalhaço da maluqueira, mas primeiro-ministro?
Estarei eu imerso no mundo da ilusão do sonho? Será este mundo uma espécie de castigo das minhas depravadas vidas passadas?
Não me entra na cabeça. O Santana? Primeiro? É que quando penso bem nisso, é do género: "Fonix!" (ok, é mais foda-se, mas isso é um pouco reles, não?).
Ontem reli a constituição. Alguém arrancou a página onde dizia que o Satana, desculpem, Santana não pode exercer cargos onde existe o risco de lixar um país inteiro. Porque é que o gajo não tem um saco azul e emigra pra o Brasil? Ele até iria gostar do tempo e das noites. E nós também gostavamos de não o voltar a ver.

 

Desculpem, mas não me entra na cabeça

 

 
Fonix!


segunda-feira, julho 26, 2004

O Novo Blogista

Pois é, não serei o único a utilizar esta página virtual.
Apresento-vos o Tiago. Não posso dizer muito mais. Não sou responsável pelos textos dele, nem quero. "É sempre um risco", diz ele.
Espero que gostem dos seus textos, tal como eu. Ele também gosta muito dos textos dele.


O fogo

Depois de uns dias de ausência decidi voltar, desta vez para vos falar sobre... nada. Começo a acreditar que, por este andar, este blog não vai longe.
Começou o país a arder de novo. Achei imensa piada a uma entrevista de um dos responsáveis pela coordenação, a nível governamental, pelo ordenamento das nossas florestas. Dizia ele que aprendemos a lição do ano passado. Há menos fogos, os bombeiros combatem-nos eficazmente, bla, bla, bla, bla. De repente voltei a ver aquelas imagens do Iraque: "Os americanos não estão sequer perto de Bagdad...". Neste caso "o fogo não existe em Portugal". Mas não podemos ser apenas más línguas. Temos de reconhecer que este ano tem havido menos fogos. Não sei se é por já não haver tanto terreno florestal ou se pelos serviços florestais estarem melhores, mas que há menos incêndios, lá isso há. E de certeza que este ano não houveram viagens turísticas de helicópetero. Isto é, quase de certeza (isto em Portugal nunca se sabe).
Mas o que eu gostei mesmo foi da mudança de governo. Prá direita. Acho que está tudo dito. E aquela carinha de palerma dum ministro que eu cá sei e que se chama Paulo Portas a quando da tomada de posse? Quase que valeu a pena o sofrimento destes dois anos. Quase. Ou a secretária de estado da Defesa, desculpem, das artes e espectáculos? Também foi um momento alto. Creio que este governo vale pelo poder de comunicação. Do espelho com o Santana.
Mas não quero que julguem que eu sou um daqueles que acham que os políticos são todos pérfidos, corruptos, opurtunistas. Não sou. Acredito firmemente que a maior parte é apenas imcompetente. O resto vem em consequência. E vejamos que não é fácil tomar as rédeas de um país. Se há algo que em mim existe em abundância é a compreensão. Só assim posso explicar porque não emigrei quando o Santana foi nomeado primeiro-ministro. Paciência e compreensão. Muita.
Quanto ao nosso amigo Barroso (agora sem o Durão): Afinal o gajo é um porreiraço. Gosto muito de o ver naquelas colunas do social, sempre sorridente e com a frase certa no momento certo. Estou tão orgulhoso dele. Tenho orgulho de um português que no meio de um processo difícil, ao qual a sua presença e força de vontade davam algum crédito, abandona um país e vai enfrentar os matulões do parlamento europeu. É preciso coragem, ou lata. Mas o homem é cheio de boas intenções. Capaz de renegar as suas ambições pessoais por um bem maior, o da União Europeia (Não sei porque, mas isto soa-me um pouco ambíguo). É sempre bom de ver este tipo de acto altruísta. Tenho andado a reler o "A Ratazana". «Sempre as primeiras a abandonar o navio». Confesso que gosto mais do cherne. Não dá para fazer analogias com a personalidade tão boas, mas sempre tem mais classe. Não acham?
Agora à esquerda.
Momento decisivo no PS. Todas as alas querem o poder. E com popularidade combate-se a popularidade. Temos o gordinho (parte II), o amigo simpático ( confesso que este é o meu preferido. Se um dia me vier a foder, pelo menos diz sempre as palavras certas) e o poeta revolucionário (confesso que deste não sei que diga. O meu cão também não). Imagino como será difícil a escolha. Se fosse demorada, também era bom.
Recordo-me de um pequeno cartoon com a Mafalda e a Liberdade como protagonistas em que a Liberdade fala da indecisão de voto de seu pai. Sinto-me um bocado assim. No papel tem muito mais piada.
Mas chega de pessimismo. As coisas vão melhorar. Não tenho a certeza de para quem, mas que vão, lá isso vão.
E a notícia triste. Perdemos Carlos Paredes. Voltarei a ouvir a sua guitarra um pouco mais e sei que não mais desaparecerá este calafrio na espinha. Um abraço para ti.  


Adeus e até a uma próxima.

Ricardo
 




quarta-feira, julho 21, 2004

Na Abertura
 
Sendo este o primeiro dia de escrita pensei em, cuidadosamente, trabalhar um texto, que fosse ao mesmo tempo, uma pequena maravilha literária e uma breve introdução ao Blog em si.
Depois de alguma reflexão compreendi que tal seria, no mínimo, impossível. Em primeiro lugar, as minhas capacidades de escrita deixam um pouco a desejar, em segundo lugar não existe um propósito concreto para a criação de um blog. Estava aborrecido, é tudo quanto posso dizer. Havendo compreendido estes dois pontos sugeri a mim mesmo a escolha de um tema sobre o qual falar. Uma vez mais surgiram complicações. É dificil encontrar um tema sobre o qual apeteça falar. Sou demasido introvertido. Assim pensei em falar do título do blog, "Menino da Lágrima". Assim vejamos, a sua presença em 90% das casas portuguesas é óbvia. Qual de nós não possui em casa uma reprodução deste quadro, ou não tem pelo menos um vizinho que o possua. Não conheço ninguém. A sua existência é inegável para qualquer português. Pergunto-me se não terão os emigrantes exportado esta maravilha da cultura popular portuguesa para os seus países de acolhimento. Somos conhecidos também pelo exportar de maneiras de estar, pelo que se não for o menino da lágrima, será certamente o cão de porcelana ou a última ceia. 
Apesar da veracidade do que digo, o título do blog não se prenderá, certamente, a estes factos. Poderia dizer que não possui verdadeiramente uma razão de ser, mas estaria a mentir. O nome surgiu após uma boa centena de títulos que me vi impossibilitado de usar pois algum ignóbil já os havia escolhido. Comecei a sentir-me frustrado. Foi nessa altura que na minha mente surgiu o nome: " Menino da Lágrima ". Pareceu-me bem. Confesso que já a algum tempo que este quadro tem atormentado os meus pensamentos: Quem será o pintor? De que data será o quadro? Qual o seu verdadeiro significado? Como foi possível a sua difusão? Quem foi a primeira pessoa a comprá-lo? E porquê? Estas e muitas mais perguntas preenchem partes dos meus dias, perseguem-me, como se fossem fantasmas do meu passado. Aquela pequena gota está constantemente presente em mim. Assim como os olhos tristes daquela Lassie de porcelana, mas isso ficará para uma outra altura. A única razão para o nome do Blog é desespero. Já não sabia que nome escolher. Confesso
Gostava imenso de poder ter uma imagem do célebre quadro na página, mas até ao momento não consegui descobrir nenhuma imagem na net e tenho vergonha de ir pedir a um vizinho para fazer um scan do seu querido quadro, que tão bem preenche e dá vida á sua sala escura de sofás castanhos de pano ás riscas. Faço por isso um apelo a vós, que por alguma razão haveis chegado até este ponto do texto: por favor se souberem de alguma informação que me possa ajudar a desenhar a história deste quadro, enviem um mail.
O "Menino da Lágrima" é um valioso património português, uma presença inegável no panorama cultural da nossa grande nação. Haverão muitos que não conhecerão o "Políptico de S. Vicente" de Nuno Gonçalves, nem o "Adoração dos Magos" de Grão Vasco, nem o "Descida da Cruz" de Pedro Nunes, nem o "Anunciação" de Bento Coelho da Silveira, nem o "Adoração dos Magos" de Domingos António de Sequeira, nem o "A Carta" de Alfredo Keil, nem o "O Fado" de José Malhoa, nem o "A casa de persianas azuis" de Henrique Pousão, nem o "Sinfonia azul" de António Carneiro, nem o "Procissão Corpus Christi" de Amadeo, nem o "Cabeça" de Santa-Rita, nem o "Auto-Retrato num Grupo" de Almada Negreiros, nem o "Bandeiras Vermelhas" de Vieira da Silva, nem o "Arriscar Voar" de Rogério Ribeiro, nem o "Young Predators de Paula Rego, nem tantos, tantos outros que poderiam ser enumerados, mas o "Menino da Lágrima" todos nós conhecemos, todos nós já o vimos ou, pelo menos ouvimos alguém falar.
Quererei eu que todos conhecem o meu Blog como todos conhecem o "Menino da Lágrima"? Só se for a nível inconsciente. Não pretendo fama, nem aplausos, nem reconhecimento. Só um pequeno espaço onde eu possa esquecer que o Santana Lopes é primeiro-ministro e o Paulo Portas ainda tem o nariz empinado, onde possa não me lembrar que o meu salário é apenas uma amostra do que deveria ganhar e que por este andar não poderei nunca ter uma casa apresentável, onde possa colocar de lado o facto de que uma vez mais ( e não há tribunal constitucional que me retire esta convicção ) a nossa constituição foi violada naquele pequeno artigo 74º, alínea E ( e ainda há inergumenos com coragem de ir á televisão proclamar que a minha geração não conhece a constituição ). Mas isso ficará para um outro dia. Está perto da hora de almoço e a minha barriga começa a manifestar a sua impaciência. Concluindo:
Foi uma porcaria de começo de Blog, mas se por acaso decidir voltar, seja muito bem vindo. Quem sabe pode ser que isto melhore.
Um enorme abraço.
Ricardo